ONGs em São Miguel Paulista
Associação Comunitária Meninos de São Miguel
Endereço: Rua Edson Pinto, 701 – Vila Nova União
Telefone: (11) 6976-7786
E:mail: amara.figueiroa@yahoo.com.br
Público-alvo: crianças a partir dos 07 anos, senhores a partir dos 55 anos de idade, mas atende preferencialmente jovens entre 16 e 25 anos.
Projetos e atividades: Qualificação profissional; Construção civil e turismo; Esporte social; Alfabetização de jovens e adultos; Recreação nas Férias; Grupo de Jovens; Grupo da Melhor Idade – Bom te Ver.
Discrição, despretensão, suavidade, simplicidade: essas são algumas das qualidades mais evidentes quando adentramos no espaço diminuto da Associação Meninos de Sâo Miguel. A rusticidade de suas instalações e a modéstia do discurso de sua gestora não correspondem, de fato, à grandeza das metas almejadas e dos projetos desenvolvidos. Sem alarde ou euforia, mas movida por uma espécie de determinação “sertaneja”, que equivale a mirar seus objetivos e não se deixar sucumbir pelas adversidades e obstáculos, é assim que a Associação parece ser gerenciada. Nas palavras de Amara Figueiroa, sua presidente: “As dificuldades vêm para que se tenha a luta e sem a luta não há vitória”.
A militância em prol do bem-estar social da comunidade de Unidos de vila Nova é o que cimenta os projetos desenvolvidos pela entidade. Há uma percepção de que o bem-estar pode ser proporcionado de diferentes maneiras: pelo esporte, lazer, a qualificação profissional, a alfabetização tardia, pelo simples encontro entre as pessoas. E apesar da situação da Associação de São Miguel agregar diferentes projetos, há entre eles uma articulação. O investimento na qualificação pode ser pensado como o fio invisível que alinha as ações; em todas elas vemos a necessidade de ir além, conhecer mais, ultrapassar fronteiras.
Com o seu olhar agudo e sua fibra de líder comunitária, Amara Figueiroa chegou a União de Vila Nova em 1991, pouco tempo depois da formação do bairro, no momento em que as famílias que para lá se deslocaram enfrentavam toda sorte de precariedade. Instalou-se, conectou-se e, a partir da sua observação, mapeou as áreas menos assistidas e de maior carência. Desde então, a Associação Meninos de São Miguel vem trabalhando para alicerçar a comunidade de diferentes maneiras, buscando diminuir a sua situação de vulnerabilidade e exclusão. No entanto, foi a partir dos anos 2000, que as ações e intervenções da organização ganharam fôlego e se estruturaram a partir de programas conveniados com o poder público e com organizações da sociedade civil. Os bons resultados já obtidos revelam que esses investimentos produzem, em um curto espaço de tempo, transformações substantivas na capacitação individual e na mobilização coletiva. Como sintetiza Amara Figueiroa: “ Você cuida e ali na frente vê o resultado”.
Apostando na prosperidade e no crescimento econômico do bairro oriundo do processo de reurbanização pelo qual passa a união de Vila Nova, o programa Qualificação Profissional busca capacitar jovens e adultos para áreas nas quais existe grande procura por mão de obra na cidade de São Paulo, tais como: pedreiro e azulejista; eletricista e encanador; mestre de obras, pintor gesseiro; padeiro e confeiteiro; porteiro; cozinheira, camareira; almoxarife. A idéia de identificar no trabalho qualificado a saída possível para a exclusão social tem dado provas concretas de sua pertinência. Grande parte dos trabalhadores empregados nas obras realizadas pelo CDHU é hoje moradora do bairro de Vila Nova União. O desemprego, que também constava como um dos maiores problemas enfrentados pela comunidade, vem, aos poucos, deixando de ocupar, no ranking das carências, o topo da longa lista.
Há também uma forte preocupação da entidade com a inclusão social das crianças e jovens que se encontram em situação de risco social. O programa Esporte Social, desenvolvido em parceria com o Instituto Acqua (organização da sociedade civil que atua em projetos de cidadania e qualidade urbana e ambiental), tem como objetivo fomentar e democratizar o acesso á prática esportiva e de lazer, com caráter educacional, com idade entre 07 e 18 anos. A idéia é promover, através de diferentes modalidades esportivas – futebol, futesal, basquete, capoeira -, a inclusão social e a saúde; os valores morais e cívicos; a valorização das heranças culturais; a conscientização de princípios socioeducativos; conhecimento de direitos e deveres; a solidariedade; aprimoramento do desenvolvimento psicomotor e melhora do condicionamento físico.
Apesar de a Associação Meninos de São Miguel ter conseguido com seus parcos recursos e sua equipe enxuta arregimentar a confiança e a participação da comunidade, o trilho que ela busca seguir ainda apresenta inúmeras barreiras e sinuosidades. O que não impede e nem enfraquece o desejo de permanecerem na luta e sonharem com a vitória.
Pontos Fortes:
- Capacitação profissional de jovens em áreas onde há uma grande oferta de empregos na cidade de São Paulo.
- Qualidade do diálogo com a população jovem e credibilidade conquistada.
- Disponibilidade para amparar socialmente a população, buscando suprir algumas dessas necessidades e encaminhando-as para outras organizações competentes.
Desafios:
- Construir uma sede própria para o desenvolvimento de seus programas.
- Criar canais de comunicação e divulgação que dêem visibilidade para o trabalho desenvolvido.
- Criar condições para o desenvolvimento de uma Feira Cultural, valorizando as tradições regionais da comunidade de São Miguel, predominantemente nordestina.
Instituto Alana
Endereço: Rua Erva-Sereno, 548/Rua Borboleta Amarela, 481 – Jardim Pantanal
Telefones: (11) 2585-7646/ (11) 2586-4559
E:mail: comunicação@alana.org.br
Público-alvo: de bebês a idosos
Projetos e atividades: Núcleo de Recreação e Cultura/Nureca; Centro de Educação Infantil/CEI; Núcleo de Iniciação Profissional/NIP; Núcleo de Ação Social/NAS; Núcleo de Convivência do Idoso/NCI; Biblioteca Guilherme Fiúza; Ação Comunitária, Serviço Social; Saúde; Centro de Formação Alana; Projeto Cine Alana; Banda Alana; Serviços de enfermagem; Jornal Espaço Alana.
Núcleo promotor de cidadania em um território desassistido e abandonado pelo poder público, o projeto Espaço Alana persegue e almeja o desenvolvimento cognitivo, ético, crítico, cultural e afetivo da comunidade do Jardim Pantanal. Atendendo em torno de 2000 pessoas por ano, busca fortalecer a comunidade para que exercite plenamente seus direitos e deveres e, com suas competências, seja capaz de assumir as rédeas de sua própria história.
O Espaço Alana, do Instituto Alana, sobressai na paisagem por ser o único equipamento socioeducativo de uma região que conta com cerca de 6000 famílias e tem como trsite emblema um dos piores índices sociais da cidade de São Paulo. Tendo iniciado suas atividades em 1994 como um pequeno núcleo de cultura, rapidamente, em função das grandes carências e demandas da população local, o Alana viu-se impelido a redefinir seu papel e ampliar seu escopo de atuação. O voluntarismo inicial foi logo superado e a instituição, a partir de 2002, assumiu o perfil, missão e compromissos através dos quais é hoje reconhecida. Como uma organização não governamental sem fins lucrativos, patrocinada por um grupo de empresários, toma nas mãos o desafio de atuar em múltiplas e distintas frentes. Entre eleas estão: educação formal (Centro de Educação Infantil/CEI); educação extraescolar mediada pela arte em suas diferentes linguagens (Núcleo de Recreação e Cultura/Nureca); programas de educação para o trabalho e reinserção profissional de adultos (Núcleo de Iniciação Profissional/NIP); programas de inclusão social e assistência psicológica e odontológica para a terceira idade (Núcleo de Convivência do Idoso/NCI); famílias e a comunidade de um modo geral (Núcleo de Ação Social/NAS). O compromisso com todas as faixas etárias e a oferta de serviços de excelência no amplo leque de atividades oferecidas fez o Instituto Alana uma referência para a população local.
Dentre os projetos culturais implementados, o Cine Alana e a biblioteca se destacam tanto pela qualidade da oferta quanto pela freqüência de moradores que conseguem mobilizar. O Cine Alana acontece todos os sábados, exceto em feriados e pontes, com uma sessão ás 14:00 (livre) e outra ás 16:00(para maiores de 14 anos). Cerca de 150 pessoas de todas as faixas etárias participam assistindo somente filmes recentes. A biblioteca, por sua vez, possui em torno de 4000 títulos e é a única da região. Com ponto de acesso á internet, seu acervo é constituído por livros, jornais, revistas e filmes. É uma biblioteca comunitária circulante que, além de seu acervo, promove atividades regulares, tais como: grupos de discussão, rodas de conversa, gincanas literárias, leituras compartilhadas e contação de histórias. A grande procura da Biblioteca é de crianças de 08 a 12 anos.
A instituição é cuidadosa quanto aos limites do atendimento pleno ao manancial de demandas e queixas que a comunidade carrega consigo. A angústia oriunda da impossibilidade concreta de responder integralmente ás necessidades desta comunidade é equilibrada pela convicção e certeza que as ações propostas produzem um diferencial no desenvolvimento individual e coletivo do grupo. Esse é o grande combustível que movimenta a engrenagem que o Instituto Alana consolidou na região.
A vitalidade da instituição transpira por suas instalações. O trânsito constante de crianças, jovens, adultos e idosos que coexistem no mesmo espaço dá a medida do dinamismo do Instituto e reflete a qualidade do trabalho feito nos seus bastidores: o investimento contínuo na qualificação e atualização de seu corpo funcional e a valorização da participação dos usuários nos rumos e redefinições dos programas. A preocupação com a formação de seus educadores é tão basilar que acabou agregando às responsabilidades do Alana mais uma atividade de grande expressão: o Centro de Formação, que busca atender todos os profissionais da área da educação da zona leste.
O sucesso das iniciativas do Instituto pode ser notado por meio de mudanças sensíveis nas formas de sociabilidade, na articulação verbal, na ampliação de interesses e repertórios, na autoestima, nos cuidados com a saúde e com o corpo, no desenvolvimento de habilidades próprias, na capacidade de resolução de conflitos, no diálogo e integração familiar, entre tantas outras expressões. O reconhecimento de grandes empresas privadas e do poder público, parceiros em vários projetos, é mais um aspecto que atesta a credibilidade e o lugar que o Espaço Alana conquistou junto á comunidade do Jardim Pantanal.
Pontos fortes:
- Qualificação constante da equipe profissional.
- Excelência do trabalho educativo.
- Instalações físicas e equipamentos de alto nível apóiam o trabalho pedagógico e proporcionam bem-estar aos participantes.
- Avaliações realizadas periodicamente determinam os próximos passos e investimentos.
Desafios:
- Conquistar maior engajamento dos homens, pais de família, no processo de formação de seus filhos.
- Manter um grupo de educadores cada vez mais afinados com os princípios e as metas do Instituto.
Kaikan – Associação Cultural e Desportiva Nikkei de São Miguel Paulista
Endereço: Praça São João de Cortes, 8 – São Miguel Paulista
Telefone: (11) 2297 1087
E:mail: acdnikkeisaomiguel@gmail.com
Público-alvo: Jovens e adultos de todas as faixas etárias
Projetos e atividades: Práica de Rádio Taissô (ginástica rítmica e alongamento); Aulas-ensaios de Canto de Música Folclórica Japonesa e Instrumentos Musicais Japoneses; Aulas-ensaios de Dança Folclórica Japonesa e Dança Típica Japonesa; Ginástica Chinesa Lian-Gung; Aulas-ensaios e prática de Taikô (tambor japonês); Aulas-ensaios e prática de Yasakoi Soran; Aulas-ensaios e prática de Karaokê (canto); escola de idioma japonês; Prática de Gateball; Reunião de Senhores e Senhoras do Departamento de terceira Idade e do Departamento de Senhoras; festival de Apresentação Artística com comida típica japonesa; realização de campeonatos de Canção Folclórica Japonesa (Mynio) e de karaokê; Festival do Taikô; Festa de Sukiyaki; apresentações artísticas; eventos beneficientes para arrecadação de verbas para outras entidades; Campanha mensal de leite longa vida; Gincana Poliesportiva; Disponibilização de uma sala de inclusão digital na sede da Associação; Aplicação de acupuntura; Participação em campanhas de saúde e doação de sangue.
Instalado na antiga Praça da Paz, atual São João de Cortes, a Associação Cultural Desportiva NIKKEI de São Miguel Paulista, conhecida na comunidade como Kaikan, é uma das entidades mais tradicionais da região, onde atua desde 1952. Com sede própria e mantida por meio de anuidades simbólicas e contribuições, a instituição tem hoje em torno de 700 associados.
Como um espaço recreativo e cultural que busca valorizar práticas, saberes e rituais da cultura japonesa, estreitando os vínculos comunitários da colônia e seus descendentes, o Kaikan funciona como um espaço de resistência ao afastamento entre as novas gerações e a tradição de seus antepassados. São muitos os fatores que justificam esse distanciamento: casamentos interétnicos, deslocamentos dos locais onde se concentra a comunidade, alta de tempo e mesmo desinteresse em relação á herança oriental. O Kaikan busca criar esse espaço de pertinência, sem vulgarizar a cultura tradicional nem transformá-la em tesouro intocável, inacessível ao cidadão comum. A beleza da instituição está no seu compromisso genuíno com a preservação desses conteúdos e com a sua transmissão.
A lista de atividades regulares e serviços que a Associação oferece é rica e extensa: Rádio Taissô (ginástica rítmica e de alongamento); Canto de Música Folclórica Japonesa e Instrumentos Musicais Japoneses; Dança Folclórica Japonesa (individual e coletiva); Dança Típica Japonesa; Ginástica chinesa Lian Gung; Aulas-ensaios e prática de Taikô (tambor japonês), de Yosakoi Soran e de karaokê (canto), prática de Gateball (esporte de origem japonesa); Língua Japonesa; Acupuntura e Grupo de Senhoras/Senhores do Departamento de Terceira Idade e Senhoras do Departamento de Senhoras; Departamento de Jovens e festa em homenagem aos idoso com atrações artísticas.
No atual contexto, é a população acima de 65 anos que participa mais ativamente da associação. Em função disso, há uma preocupação constante com diferentes questões de qualidade de vida e prevenção a doenças. Além dos serviços de acupuntura a partir da técnica chinesa intitulada auriculoterapia (utilização de sementes de mostarda), o Kaikan realiza a vacinação de idososo contra a gripe e participa das campanhas do Mutirão da Mamografia da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, da campanha médico-itinerante da beneficiência Nipo-Brasileira e da campanha da coleta de sangue para Colsan.
A culinária, como em tantas outras culturas tradicionais, é um elemento impprtante para a reafrimação da identidade cultural japonesa. No Kaikan, ela permeia todas as atividades de maneira informal, como na prática das mulheres que freqüentam o curso de dança folclórica japonesa, que partilham suas habilidades gastronômicas em singelos almoços coletivos.
Embora o Kaikan esteja localizado em uma pequena praça no extremo leste da cidade de São Paulo, muito longe do bairro japonês da Liberdade, pode-se perceber o respeito e a reverência que a associação desperta na comunidade quando abre suas portas para a realização de sua festa de Sukiyaki (comida típica japonesa á base de verduras), Yakissoba, Udon (macarrão ensopado), do campeonato de karaokê e do Minyo, festival de Taikô e atrações artísticas. Em reconhecimento á atuação da colônia na região, a praça São João de Cortes está sendo transformada em Praça Japonesa pela Subprefeitura de São Miguel.
A contribuição do Kaikan para o intercâmbio entre as culturas brasileira e japonesa também ocorre na direção contrária, quando a entidade leva suas atividades para as ruas. Isso acontece, por exemplo, por ocasião da festa japonesa com apresentações artísticas e comidas típicas em homenagem ao aniversário de São Miguel. É notável o interesse que a cultura oriental desperta na comunidade de São Miguel Paulista, que tem como singularidade uma grande migração oriunda do Norte e Nordeste brasileiro. Essa composição cultural, marca registrada da experiência paulistana, está também fortemente presente nesta área da zona leste.
Tamanha diversidade nos leva a constatar que vivemos em uma sociedade verdadeiramente multicultural, na qual somos expostos, a todo momento, a diferentes ingredientes de uma salada geral, podendo misturá-las de múltiplas maneiras. O Kaikan está lá, um pouco longe do centro, sem grandes holofotes e brilhos, mas em um espaço onde podemos e somos convidados a experimentar um pouco do sabor agridoce dessa linda e milenar cultura.
Pontos fortes:
- Refinamento dos cursos e apresentações artísticas
- Cuidado e respeito pelos valores, práticas, saberes e rituais japoneses.
- Boa receptividade aos membros que não fazem parte da comunidade japonesa.
Desafios:
- Atrair novamente o público jovem e preservar a cultura milenar.
- Incentivar jovens e adultos a participarem ativamente das atividades sociais e culturais da entidade.
- Buscar patrocínio para aprimorar os projetos e melhorar as instalações físicas.
Vila Nova Solidariedade e Justiça
Endereço: Rua Japichaua, 312 – União de Vila Nova
Telefone: (11) 2214 7224
E:mail: ceiliriodovale76@yahoo.com.br
Público-alvo: crianças entre 0 e 4 anos e a comunidade em geral.
Projetos e atividades: Centro de Educação Infantil; liderança no processo de urbanização do bairro.
União é hoje sinônimo de mobilização, renovação e esperança. Bairro do Distrito de Vila Jacuí da Subprefeitura de São Miguel Paulista, espremido entre a linha da rede Ferroviária Federal e a Rodovia dos Trabalhadores, a antiga várzea foi aterrada e invadida no final dos anos 80 por cerca de 360 famílias. Passados vinte e poucos anos, hoje ocupam esse local aproximadamente 8300 famílias ou mais de 35.000 pessoas, na sua maioria, de origem nordestina. Durante um longo período a área sofreu com enchentes; falta de saneamento básico, iluminação pública e asfaltamento das ruas; ausência de espaços de lazer e recreação; insuficiência de escolas e creches; altos índices de criminalidade; taxas abusivas de desemprego e dificuldade de acesso. Triste enredo da vida nas periferias paulistanas que se repete á exaustão. Círculo vicioso de precariedades materiais, subjetivas, citadinas, afetivas e sensoriais.
No entanto, essa ordem perversa e reincidente foi subvertida em União de Vila Nova graças a um movimento germinado pela comunidade. A partir do momento em que o coletivo acordou da sua letargia e tomou as rédeas de seu próprio destino, lutando pela construção de uma história na qual existe sim a possibilidade do porvir, o cenário, até então, sem cor e sem poesia, ganhou uma nova configuração. A mobilização e a pressão comunitária resultaram em uma resposta enérgica por parte do poder público. Através de uma ação integrada do Governo do estado de São Paulo, foi elaborado um amplo programa de reorganização e urbanizaçãode toda a região que envolve um número expressivo de melhorias, entre elas: construção de moradias, implantação de redes de água e esgoto, serviços de iluminação pública, pavimentação das ruas, paisagismo, circuitos de lazer, aumento do número de escolas. Essa transformação pela qual o bairro vem passando é observável em um rápido passeio pelas ruas agora asfaltadas de União da Vila Nova. Os novos conjuntos habitacionais, as novas escolas, o novo parque público e as primeiras casinhas já com suas fachadas pintadas de acordo com o projeto cromático assinado pelo arquiteto Ruy Ohtake, no Programa São Paulo de cara nova, expressam a revolução em plena ebulição.
A ONG Vila Nova Solidariedade e Justiça, na figura do pastor Wellington, está amalgamada com essa virada de página que a União de Vila Nova vem produzindo. Tendo participado ativamente de toda a gênese do processo de urbanização, em 1998, quando a CDHU realizou o primeiro cadastramento e diagnóstico da situação habitacional da comunidade local, a associação vem acompanhando, participando e monitorando todo o movimento, colocando-se como uma instância mediadora entre a população do bairro e o poder público. E é imbuído dessa missão que o Pastor Wellington zela pela aplicabilidade dos preceitos estabelecidos pelo grupo, para que as decisões assumidas pela comunidade sejam respeitadas e levadas adiante e para que novos projetos de melhorias sejam viabilizados na região. Muitos projetos foram esboçados, como um Centro de Triagem Zoonose, a criação de dois EcoPontos e de um viveiro de mudas para a arborização do bairro, a transformação do Parque Central em Centro Desportivo Comunitário/CDC, dentre muitos outros. A ONG zelará pela realização de todos eles.
Mas, se parece haver uma dimensão imaterial das realizações da entidade, dificilmente palpável, que consiste na supervisão silenciosa e diligente do processo de urbanização, há outro lado no qual a sua intervenção não poderia ser mais clarividente: o Centro de Educação Infantil Lírio do Vale. Como uma CEI conveniada com a Prefeitura do Município de São Paulo, a Lírio do Vale atende 155 crianças entre 0 e 4 anos. Com instalação especialmente adaptada para a população infantil; equipe numerosa e qualificada de educadores; abundância de mobiliário, equipamentos e material didático para a faixa etária em questão, a creche veio atender uma enorme demanda reprimida por serviços de educação de qualidade. Nestes seus dois anos de existência, a Lírio do Vale já se tornou uma referência para a população local. O comprometimento do pastor Wellington com o bem-estar social é a raiz que está na base desta militância. É o que nutre o fazer cotidiano, nas suas minúcias e nas suas grandezas, e os sonhos pelos quais a ONG ainda acredita ter que perseverar.
Pontos fortes:
- Qualidade do diálogo com a população e credibilidade conquistada.
- Capacidade de amparar socialmente a população.
Desafios:
- Maior reconhecimento por parte do poder público do trabalho comunitário que está sendo desenvolvido.
- Aumentar o comprometimento das empresas que atuam na região no sentido de oferecer oportunidades de emprego para os moradores.
Anotações sobre coqueiros
Tantas vezes evocado em prosa, verso e música por nossos maiores compositores e intérpretes da Música Popular Brasileira, o Recôncavo Baiano suscita grande interesse e um misterioso fascínio. Se a mística criada por seus nativos ilustres contribui, de um certo modo, para fomentar a simpatia que a região engendra, basta uma primeira experiência in loco para verificar, sem muito esforço, que a sua fama é mais do que justificada. A presença imperiosa e magnânima do Rio Paraguassú, a riqueza patrimonial das cidades de Cachoeira e São Félix, a vitalidade das manifestações culturais e dos saberes em circulação, são alguns dentre os múltiplos encantos que o Recôncavo oferece.
Coqueiros, uma espécie de bairro periférico do distrito de Maragogipe, insere-se neste contexto de pujança natural e simbólica, apesar da precariedade sócio-econômica de seu povoado e da infraestrutura de serviços disponíveis, ainda assim, “100% melhor do que antigamente”, segundo o relato de um dos ceramistas entrevistados. A insígnia da cidade como depositária de um saber-fazer singular e tradicional – a produção das cerâmicas utilitárias – transmitido de geração em geração, pode ser uma das explicações para o sentimento de altivez que a comunidade parece ser portadora. Apesar de seu insulamento e provincianismo, chamou-me atenção a tranqüilidade com que o povoado acolhe seus visitantes e passantes. Nem um interesse excessivo, que pode facilmente resvalar para uma relação vertical de subserviência, nem, por outro lado, recusa e aversão ao “outro” que constituem o caldo perverso para a xenofobia.
Cientes sobre a visita de um pesquisador enviado pelo Artesanato Solidário/ArteSol, o grupo de ceramistas, representado pela sua líder, Dona Cadú, me aguardava com prontidão e gentileza. A espontaneidade na recepção e o irresistível carisma de Dona Cadú, que esbanja jovialidade corporal e vigor intelectual no topo de seus 88 anos, foram determinantes para que eu me sentisse segura quanto à interlocução com os ceramistas.
A apreensão gerada pelas distâncias para com os meus entrevistados – regional, étnica, sócio-econômica, profissional, religiosa e etária, – e pelo então recente envolvimento com os projetos desenvolvidos pelo ArteSol, foi atenuada no meu primeiro contato com o grupo, realizado poucas horas depois de pisar em solo baiano.
Como em qualquer pesquisa de história oral, ao selecionarmos um elenco de protagonistas deparamo-nos, inexoravelmente, com diferenças e multiplicidades. O tom do relato -melancólico, eufórico, descritivo, lacônico, investigativo, jocoso, queixoso, bem-humorado, entre tantos outros possíveis – a maneira de estruturar a narrativa e compô-la, a fluência e musicalidade do depoimento, o nível de sensibilização do depoente frente às intervenções do historiador, a intensidade com que o entrevistado investe no pedido de rememoração e reflexão sobre a própria experiência, a maior ou menor gestualidade corporal, a maior ou menor expressividade facial, a tolerância ou não frente aos silêncios, as mentiras e imprecisões dos fatos narrados são alguns dentre os muitos dados (alguns mais evidentes do que outros) que revelam que o depoimento oral é sempre singular e que “fala” fundamentalmente da subjetividade. Não há como exilar e/ou esterilizar a subjetividade do documento oral. Sua onipresença passa a ser observada em toda a extensão do relato, nos conteúdos trazidos e na forma que ele assume. Mas, afinal, não será este justamente o grande diferencial e aporte trazido pelo método de história oral para o conhecimento historiográfico, em outras palavras, conferir ao processo de produção subjetiva o caráter de objeto passível de investigação? Como afirma a historiadora Verena Alberti, a história oral é o “(... )terreno das diferentes versões e da subjetividade por excelência. Muitos não percebem, contudo, que a história oral tem o grande mérito de permitir que os fenômenos subjetivos se tornem inteligíveis – isto é, que se reconheça, neles, um estatuto tão concreto e capaz de incidir sobre a realidade quanto qualquer outro fato”. (Ouvir Contar – Textos em História Oral, FGV Editora, 2004, pg.09). No entanto, se a história oral nos dá a dimensão do valor e importância de cada indivíduo, ela também participa da consolidação de uma memória partilhada ao estabelecer um ethos comum que possibilita o estabelecimento de elos entre as várias trajetórias de vida.
Assim sendo, embora não tenha me defrontado com um script reincidente nos dez encontros realizados em Coqueiros (nove entrevistas com diferentes gerações de mulheres e apenas uma com um homem), entre os dias 12 e 17 de outubro de 2008, já que cada pessoa é um “amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados (Alessandro Portelli), houve uma disposição genuína comum a todo grupo em cooperar com a proposta. Com prudência e parcimônia, mas sem desconfiança.
O pedido de curvar-se sobre si mesmo com o objetivo de resgatar memórias e vasculhar o sentido das experiências, razão de minha visita para Coqueiros, produziu, previsivelmente, uma espécie de “distração” no refrão que sintetiza o cotidiano das ceramistas, que permanecem de domingo a domingo trabalhando com o barro. Independentemente da maior malícia e destreza de alguns para a arte do diálogo, que evidencia, sem dúvida, personalidades mais exuberantes do que outras, lembrando-se que, sem exceção, todos sofreram as mesmas carências materiais e padecem ainda das mesmas adversidades, o que salta aos olhos e reverbera nos ouvidos é a função estruturante do barro. É a relação do barro que organiza o tempo, que permite a subsistência material, que favorece a sociabilidade, que confere legitimidade social, que dá lastro para a vida familiar. O barro é uma extensão do próprio corpo, e não há como se manterem clivados deste contato, relataram todos eles, cada um à sua maneira. Assim sendo, a linguagem que melhor sintetiza estas experiências de vida, mais do que a oral é, sem dúvida, a corporal. Impossível não se sensibilizar com a beleza e a integridade destas pessoas, ao presenciar a expressividade e bailado que fazem com as mãos, a desenvoltura das pernas, no recorrente levantar/agachar/sentar a que o trabalho obriga e o gingado de seus movimentos que transportam suas peças para expô-las ao sol e ao vento. A tradição ainda está viva e vibrátil e, portanto, ela prescinde de narração.
Mas se, por um lado, este vínculo visceral com o barro opera como marco social, pontilhando as memórias fugidias já que infância, juventude e maturidade aparecem de uma maneira turva e imprecisa, por outro ele aparece como interdito, é o que não pode ser transmitido para os “modernos”, como as ceramistas mais velhas se referem aos jovens. Há uma lucidez impiedosa sobre as dificuldades e mazelas relacionadas ao ofício: do momento da compra da matéria-prima, feita coletivamente, até a queima a céu aberto, realizada pelo grupo de mulheres (ressalto o gênero já que é eminentemente uma atividade feminina), em uma espécie de cerimonial religioso. O barro é o que dignifica as mulheres no presente, mas o barro não é, definitivamente, promessa de futuro, bonança e prosperidade. Ao interpelá-los sobre sonhos e utopias para o futuro, alguns se esquivaram do direito de sonhar, como se esta faculdade não estivesse ao alcance de suas possibilidades. Há uma resignação passiva à vida tal como ela se apresenta. Nos discursos mais engajados, por outro lado, há um pudor quanto á transmissão do ofício para as gerações seguintes. A mácula impregnada ao trabalho alui qualquer horizonte de ascensão social, econômica e cultural.
Nunca é excessivo alertar que as memórias e enredos colhidos decorrentes do diálogo estabelecido no contexto específico de comunicação entre pesquisador e entrevistado são sempre verdades parciais. Todo documento oral é sensível às diversas contingências em jogo. Desde interferências prosaicas como uma noite mal-dormida, uma cadeira desconfortável, um ruído insistente vindo da rua, até obstruções mais profundas como a existência de um grande trauma, a ausência de empatia com o tema e com o interlocutor. Assim sendo, o historiador que trabalha com fontes orais tem que aceitar humildemente os limites tácitos impostos por cada contexto específico, libertando-se do ideal positivista de apreensão total do sujeito/objeto investigado. Como adverte a filósofa Jeanne-Marie Gagnebin, “nem a beleza do mundo nem o sofrimento podem verdadeiramente ser ditos” ( Teologia e Messianismo no pensamento de Walter Benjamin, Estudos Avançados, n.37)
Por tudo isto, ao contrário do pesquisador que se debruça sobre a documentação escrita ou iconográfica, que luta para não ser sucumbido ou assombrado pela morbidez do passado e pelo fantasma da ausência, o pesquisador que se engaja com o método de história oral se defronta como seu avesso, com o excesso de vitalidade do presente e com a pujança da presença. Este pode ser uma das razões do feitiço que a prática de história oral provoca: a velocidade e a intensidade com que nos atira em universos desconhecidos. Este convite feito corpo a corpo parece ser muito mais contagioso e perfurante que um papel amorfo. O fato de nunca estarmos devidamente preparados para o encontro, já que ele sempre nos reserva uma surpresa que não somos capazes de vislumbrar previamente, torna impossível brecar a convulsão que estes novos afetos podem provocar em nossa existência (no corpo, na memória, na percepção, nas construções inconscientes, na vida social, na relação com o trabalho). O enfrentamento concreto com a problemática anunciada no contexto da entrevista diluiu a sensação abstrata e etérea que muitas experiências e coletivos “dissonantes” provocam.
Antes de finalizar estes apontamentos sobre a viagem para Coqueiros, gostaria, por último, de destacar alguns aspectos que dizem respeito à escuta, que, no delicado equilíbrio da experiência do diálogo, deve estar pautada pelo mesmo comprometimento e entrega que a fala. Escutar o outro na sua alteridade pressupõe a suspensão temporária das próprias necessidades, expectativas, projeções e demônios íntimos. A disposição de promover um hiato de si próprio, exilando-se do bunker interior no qual o sujeito se sente plenamente proprietário, é uma premissa para o sucesso da comunhão que se espera selar no ato da entrevista.
Se a minha rápida intervenção em Coqueiros produziu ou não ressonâncias sobre os meus entrevistados, é impossível mensurar. Contudo, a pesquisadora, que naquele momento estava ávida por novas paisagens visuais e subjetivas, foi brindada, neste seu breve interlúdio no Recôncavo, com uma experiência abrasadora – de trabalho e de vida, daquelas que suscitam, inevitavelmente, ao serem evocadas, o gostinho de “quero mais”.Tantas vezes evocado em prosa, verso e música por nossos maiores compositores e intérpretes da Música Popular Brasileira, o Recôncavo Baiano suscita grande interesse e um misterioso fascínio. Se a mística criada por seus nativos ilustres contribui, de um certo modo, para fomentar a simpatia que a região engendra, basta uma primeira experiência in loco para verificar, sem muito esforço, que a sua fama é mais do que justificada. A presença imperiosa e magnânima do Rio Paraguassú, a riqueza patrimonial das cidades de Cachoeira e São Félix, a vitalidade das manifestações culturais e dos saberes em circulação, são alguns dentre os múltiplos encantos que o Recôncavo oferece.
Coqueiros, uma espécie de bairro periférico do distrito de Maragogipe, insere-se neste contexto de pujança natural e simbólica, apesar da precariedade sócio-econômica de seu povoado e da infraestrutura de serviços disponíveis, ainda assim, “100% melhor do que antigamente”, segundo o relato de um dos ceramistas entrevistados. A insígnia da cidade como depositária de um saber-fazer singular e tradicional – a produção das cerâmicas utilitárias – transmitido de geração em geração, pode ser uma das explicações para o sentimento de altivez que a comunidade parece ser portadora. Apesar de seu insulamento e provincianismo, chamou-me atenção a tranqüilidade com que o povoado acolhe seus visitantes e passantes. Nem um interesse excessivo, que pode facilmente resvalar para uma relação vertical de subserviência, nem, por outro lado, recusa e aversão ao “outro” que constituem o caldo perverso para a xenofobia.
Cientes sobre a visita de um pesquisador enviado pelo Artesanato Solidário/ArteSol, o grupo de ceramistas, representado pela sua líder, Dona Cadú, me aguardava com prontidão e gentileza. A espontaneidade na recepção e o irresistível carisma de Dona Cadú, que esbanja jovialidade corporal e vigor intelectual no topo de seus 88 anos, foram determinantes para que eu me sentisse segura quanto à interlocução com os ceramistas.
A apreensão gerada pelas distâncias para com os meus entrevistados – regional, étnica, sócio-econômica, profissional, religiosa e etária, – e pelo então recente envolvimento com os projetos desenvolvidos pelo ArteSol, foi atenuada no meu primeiro contato com o grupo, realizado poucas horas depois de pisar em solo baiano.
Como em qualquer pesquisa de história oral, ao selecionarmos um elenco de protagonistas deparamo-nos, inexoravelmente, com diferenças e multiplicidades. O tom do relato -melancólico, eufórico, descritivo, lacônico, investigativo, jocoso, queixoso, bem-humorado, entre tantos outros possíveis – a maneira de estruturar a narrativa e compô-la, a fluência e musicalidade do depoimento, o nível de sensibilização do depoente frente às intervenções do historiador, a intensidade com que o entrevistado investe no pedido de rememoração e reflexão sobre a própria experiência, a maior ou menor gestualidade corporal, a maior ou menor expressividade facial, a tolerância ou não frente aos silêncios, as mentiras e imprecisões dos fatos narrados são alguns dentre os muitos dados (alguns mais evidentes do que outros) que revelam que o depoimento oral é sempre singular e que “fala” fundamentalmente da subjetividade. Não há como exilar e/ou esterilizar a subjetividade do documento oral. Sua onipresença passa a ser observada em toda a extensão do relato, nos conteúdos trazidos e na forma que ele assume. Mas, afinal, não será este justamente o grande diferencial e aporte trazido pelo método de história oral para o conhecimento historiográfico, em outras palavras, conferir ao processo de produção subjetiva o caráter de objeto passível de investigação? Como afirma a historiadora Verena Alberti, a história oral é o “(... )terreno das diferentes versões e da subjetividade por excelência. Muitos não percebem, contudo, que a história oral tem o grande mérito de permitir que os fenômenos subjetivos se tornem inteligíveis – isto é, que se reconheça, neles, um estatuto tão concreto e capaz de incidir sobre a realidade quanto qualquer outro fato”. (Ouvir Contar – Textos em História Oral, FGV Editora, 2004, pg.09). No entanto, se a história oral nos dá a dimensão do valor e importância de cada indivíduo, ela também participa da consolidação de uma memória partilhada ao estabelecer um ethos comum que possibilita o estabelecimento de elos entre as várias trajetórias de vida.
Assim sendo, embora não tenha me defrontado com um script reincidente nos dez encontros realizados em Coqueiros (nove entrevistas com diferentes gerações de mulheres e apenas uma com um homem), entre os dias 12 e 17 de outubro de 2008, já que cada pessoa é um “amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados (Alessandro Portelli), houve uma disposição genuína comum a todo grupo em cooperar com a proposta. Com prudência e parcimônia, mas sem desconfiança.
O pedido de curvar-se sobre si mesmo com o objetivo de resgatar memórias e vasculhar o sentido das experiências, razão de minha visita para Coqueiros, produziu, previsivelmente, uma espécie de “distração” no refrão que sintetiza o cotidiano das ceramistas, que permanecem de domingo a domingo trabalhando com o barro. Independentemente da maior malícia e destreza de alguns para a arte do diálogo, que evidencia, sem dúvida, personalidades mais exuberantes do que outras, lembrando-se que, sem exceção, todos sofreram as mesmas carências materiais e padecem ainda das mesmas adversidades, o que salta aos olhos e reverbera nos ouvidos é a função estruturante do barro. É a relação do barro que organiza o tempo, que permite a subsistência material, que favorece a sociabilidade, que confere legitimidade social, que dá lastro para a vida familiar. O barro é uma extensão do próprio corpo, e não há como se manterem clivados deste contato, relataram todos eles, cada um à sua maneira. Assim sendo, a linguagem que melhor sintetiza estas experiências de vida, mais do que a oral é, sem dúvida, a corporal. Impossível não se sensibilizar com a beleza e a integridade destas pessoas, ao presenciar a expressividade e bailado que fazem com as mãos, a desenvoltura das pernas, no recorrente levantar/agachar/sentar a que o trabalho obriga e o gingado de seus movimentos que transportam suas peças para expô-las ao sol e ao vento. A tradição ainda está viva e vibrátil e, portanto, ela prescinde de narração.
Mas se, por um lado, este vínculo visceral com o barro opera como marco social, pontilhando as memórias fugidias já que infância, juventude e maturidade aparecem de uma maneira turva e imprecisa, por outro ele aparece como interdito, é o que não pode ser transmitido para os “modernos”, como as ceramistas mais velhas se referem aos jovens. Há uma lucidez impiedosa sobre as dificuldades e mazelas relacionadas ao ofício: do momento da compra da matéria-prima, feita coletivamente, até a queima a céu aberto, realizada pelo grupo de mulheres (ressalto o gênero já que é eminentemente uma atividade feminina), em uma espécie de cerimonial religioso. O barro é o que dignifica as mulheres no presente, mas o barro não é, definitivamente, promessa de futuro, bonança e prosperidade. Ao interpelá-los sobre sonhos e utopias para o futuro, alguns se esquivaram do direito de sonhar, como se esta faculdade não estivesse ao alcance de suas possibilidades. Há uma resignação passiva à vida tal como ela se apresenta. Nos discursos mais engajados, por outro lado, há um pudor quanto á transmissão do ofício para as gerações seguintes. A mácula impregnada ao trabalho alui qualquer horizonte de ascensão social, econômica e cultural.
Nunca é excessivo alertar que as memórias e enredos colhidos decorrentes do diálogo estabelecido no contexto específico de comunicação entre pesquisador e entrevistado são sempre verdades parciais. Todo documento oral é sensível às diversas contingências em jogo. Desde interferências prosaicas como uma noite mal-dormida, uma cadeira desconfortável, um ruído insistente vindo da rua, até obstruções mais profundas como a existência de um grande trauma, a ausência de empatia com o tema e com o interlocutor. Assim sendo, o historiador que trabalha com fontes orais tem que aceitar humildemente os limites tácitos impostos por cada contexto específico, libertando-se do ideal positivista de apreensão total do sujeito/objeto investigado. Como adverte a filósofa Jeanne-Marie Gagnebin, “nem a beleza do mundo nem o sofrimento podem verdadeiramente ser ditos” ( Teologia e Messianismo no pensamento de Walter Benjamin, Estudos Avançados, n.37)
Por tudo isto, ao contrário do pesquisador que se debruça sobre a documentação escrita ou iconográfica, que luta para não ser sucumbido ou assombrado pela morbidez do passado e pelo fantasma da ausência, o pesquisador que se engaja com o método de história oral se defronta como seu avesso, com o excesso de vitalidade do presente e com a pujança da presença. Este pode ser uma das razões do feitiço que a prática de história oral provoca: a velocidade e a intensidade com que nos atira em universos desconhecidos. Este convite feito corpo a corpo parece ser muito mais contagioso e perfurante que um papel amorfo. O fato de nunca estarmos devidamente preparados para o encontro, já que ele sempre nos reserva uma surpresa que não somos capazes de vislumbrar previamente, torna impossível brecar a convulsão que estes novos afetos podem provocar em nossa existência (no corpo, na memória, na percepção, nas construções inconscientes, na vida social, na relação com o trabalho). O enfrentamento concreto com a problemática anunciada no contexto da entrevista diluiu a sensação abstrata e etérea que muitas experiências e coletivos “dissonantes” provocam.
Antes de finalizar estes apontamentos sobre a viagem para Coqueiros, gostaria, por último, de destacar alguns aspectos que dizem respeito à escuta, que, no delicado equilíbrio da experiência do diálogo, deve estar pautada pelo mesmo comprometimento e entrega que a fala. Escutar o outro na sua alteridade pressupõe a suspensão temporária das próprias necessidades, expectativas, projeções e demônios íntimos. A disposição de promover um hiato de si próprio, exilando-se do bunker interior no qual o sujeito se sente plenamente proprietário, é uma premissa para o sucesso da comunhão que se espera selar no ato da entrevista.
Se a minha rápida intervenção em Coqueiros produziu ou não ressonâncias sobre os meus entrevistados, é impossível mensurar. Contudo, a pesquisadora, que naquele momento estava ávida por novas paisagens visuais e subjetivas, foi brindada, neste seu breve interlúdio no Recôncavo, com uma experiência abrasadora – de trabalho e de vida, daquelas que suscitam, inevitavelmente, ao serem evocadas, o gostinho de “quero mais”.
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UNIBES – 1915-2000
UNIBES – 1915-2005
DVDs
100 anos de Imigração Judaica do Leste Europeu – direção: Marcio Pitliuk
Bom Retiro de muitos povos – direção: Andre Klotzel
O Ano em que meus pais saíram de férias – direção Cao Hamburguer
Inventário de Referências Culturais/IPHAN - 2010
DEPOIMENTOS PRODUZIDOS:
1. David Lindenbaum – transcrito
2. Ida Rothstein Barreto Parente - transcrito
3. Sonia Schneider – transcrito
4. Christos Theodorakopoulos – transcrito
5. Ivanildo B. da Silva e Manoel – transcrito
6. Zila Ponzoni – transcrito
7. Wellington Peixoto dos Santos – transcrito
8. Antônio Carlos (FATEC) – transcrito
9. Emmanuel e Nery Mordoch – documento em áudio
10. Washington Saramuga Conti – documento em áudio
11. Antonio Caetano Martins – documento em áudio
12. Arthur Tirone – documento em áudio
INSTITUIÇÕES VISITADAS:
1. Arquivo Histórico Municipal Washington Luís – Bom Retiro
2. Arquivo Histórico Judaico Brasileiro - Pinheiros
3. Colégio de Santa Inês – Bom Retiro
4. Instituto Dom Bosco – Bom Retiro
5. Centro de Memória da Migração/Pastoral do Migrante – Liberdade
6. IPHAN/Escritório regional – Santa Cecília
7. UNIBES – Bom Retiro
8. Tenyad – Bom Retiro
9. Sinagoga da Rua da Graça – Bom Retiro
10. Associação dos Coreanos – Pari
11. FATEC/Centro Paula e Souza – Bom Retiro
12. Instituto Cultural Israelita Brasileiro – Bom Retiro
13. Centro de Cultura Judaica – Sumaré
14. Clube Anhaguera – Bom Retiro
15. Biblioteca da FFLCH/USP
16. Biblioteca PUC/SP
Belenzinho
ALMEIDA, Paulo Roberto. “Círculos operários católicos: práticas de assistência e de controle no Brasil – 1932-1945”. Dissertação de Mestrado, PUC/SP, 1992.
BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.
BERLINK, Manoel. Marginalidade Social e Relações de Classes em São Paulo. Petrópolis, Editora Vozes, 1975.
BERTOLLI FILHO, Claudio. A Gripe espanhola em São Paulo, 1918. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2003.
CRUZ PAIVA, Odair. & MOURA, Soraya. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2008.
CUNHA, Luiz Antonio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. São Paulo, Editora Unesp, 2000.
DIAFÉRIA, Lourenço. Paulicéia – Brás. São Paulo, Boitempo Editorial, 2002.
FACIOLI, Valentim (Ed.). O Presídio Maria Zélia – Cadernos CEMAP. São Paulo, Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa, 1985.
FARIA CRUZ, Heloísa. São Paulo em papel e tinta; periodismo e vida urbana – 1890-1915. São Paulo, Educ/Fapesp/Imprensa Oficial/Arquivo do Estado, 2000.
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FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. São Paulo, Difel.
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FERREIRA, Maria Nazareth. A Imprensa Operária no Brasil (1880-1920). Petrópolis, Editora Vozes, 1980.
FERREIRA DOS SANTOS, Carlos José. Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza (1890-1915). São Paulo, Annablume/Fapesp, 1998.
FOOT HARDMANN, Francisco. Nem pátria, nem patrão. São Paulo, Editora Unesp.
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REVISTA HISTÓRICA. São Paulo, Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, desde 2000.
RODRIGUES NAHAS, Cecília Maria (coord.) Memória Urbana – A Grande São Paulo até 1940. São Paulo, Arquivo do Estado de São Paulo/Imprensa Oficial, 2001.
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SOUZA MORANGUEIRA, Vanderlice. “Vila Maria Zélia: Visões de uma Vila Operária em São Paulo (1917-1940)”. FFLCH/USP, São Paulo, 2006.
TEIXEIRA MENDES, Maria Celestina. O bairro do Brás. São Paulo, Secretaria de Educação e Cultura do Município de São Paulo, 1985.
Voracidade
“Meu pai era angolano e gostava de latir. Meu avô foi um comerciante português que colecionava avidamente moedas antigas e jurássicas. Minha tia-avó foi uma cantora lírica virtuosa e fez muito sucesso na Hungria cantando em cerimônias fúnebres. Um primo de minha mãe foi o campeão invicto nos concursos do “glutão velocidade máxima”, grande e único acontecimento cultural de sua cidade”.
Sempre precisei me agasalhar de histórias. Delirantes, bem comportadas, improváveis, melancólicas, repulsivas, engraçadas. Nâo importava muito o gênero, muito menos a sua verossimilhança. Queria mesmo é sua companhia, o barulho, a provocação. Invejava sem pudor colegas da escola que invocavam cinco gerações para trás de antepassados, com orgulho dinástico e pompade quem é um herdeiro sangue azul de qualquer que tenha sido o legado. Desejo de ter sido solapada por uma avalanche de cizâneas, ódios seculares, romances incestuosos, aventuras de cavalaria.... Mas muito longe disso, o que tinha ali, na minha “horta”, eram as evasivas, as reticências. Silêncio impiedoso, sem compaixão. Quando eu lhes perguntava como é que tinha sido a vinda deles ao Brasil, a infância, quem eram seus avós, o nome, a cara deles, meus pais não eram capazes de formular nenhuma resposta, nem uma pobrezinha, satisfatória, que pudesse saciar um pouquinho da minha fome de origem. Este deserto sem saudades de onde saí me transformou em uma vampira de histórias. Onde elas pudessem despontar, estava lá eu, à espreita, pronta para capturá-las para o meu arquivo. Romances e filmes, desde muito cedo, mas também as conversinhas fiadas no cabelereiro, os papos com os motoristas de taxi, os programas de entrevista transmitidos ás tardes, sempre enfadonhos, os obituários de jornais, as revistas de fofoca, tudo, sem juízo de valor, foi entrando na minha coleção secreta que engordava dia-a-dia. Quando me dei conta, já não era mais da falta que padecia. Mas a algazarra, o excesso de vozes, todas exigindo cuidados e lealdade. Talvez,não sei, tenha sido a necessidade de me despedir destas vidas que me perfuraram, o motivo de eu ter me tornado escritora. É engraçado estar falando isso agora para você, acho que esta associação eu nunca havia feito antes.
Marieta e o Oceano
Marieta é uma mulher nordestina, miúda, de traços delicados, fala mansa e cantada, gestos precisos e um olhar perfurante, que parece dissecar, com argúcia, tudo e todos que se encontram em seu campo de visão. Sem arroubos, sentada em sua cadeira de madeira que mantêm em sua cozinha, de assento confortável e abas largas, ela conta para o jovem casal de gringos americanos, que a descobriram através do Lonely Planet, como ela se tornou a maior doceira da cidade de Sâo Cristóvão. Os dois jornalistas da New Yorker, que vieram ao Brasil para coletar memórias e histórias de líderes de seitas e religiões afro-brasileiras, resolvem, a caminho de Laranjeiras, cidade colonial onde se concentrou o maior número de engenhos de açúcar no século XIX, berço da religião nagô, fazer um pequeno desvio da rota planejada para que pudessem provar as tais “doçuras de Marieta”, considerado, pelo guia, um dos maiores atrativos da cidade, conhecida também pelosuntuoso conjunto arquitetônico colonial, que lhe rendeu o título de Patrimônio da Humanidade, outorgado pela Unesco, em 2010.
Orgulhosa por ter conquistado, ao longo dos anos, a confiança e admiração do povo são-cristovense, que a tratam como uma espécie de embaixatriz informal da cidade, Marieta construiu sua fábrica artesanal de gostosuras brasileiras na praça central, bem em frente à Igreja Matriz. Mesmo o mais desavisado turista, não escapa aos encantos visuais e feitiços olfativos dos confeitos de Marieta, já que seus doces, como pequenas jóias, ficam expostos em papeis laminados recortados artesanalmente, em enormes vitrines de vidro, em frente à sacada das grandes janelas coloniais de sua casa. Quando um visitante ou transeunte bate palmas, lá vem um de seus filhos, com o mesmo ar delicado e austero da mãe, atender seus potenciais clientes, fazendo questão de servir e também explicar o processo de feitura de cada um das “joinhas”, passadas de geração em geração pela família Santos, há mais de seis décadas.
Greg e Stancey deleitados com a exuberância visual e sabores que nunca antes tinham sequer suspeitado que pudesse existir esticam a permanência na cidade. Como duas crianças salivando defronte de um pote suculento de chocolates, balas e sorvetes, fazem questão de experimentar e levar com eles um exemplar de cada um dos itens do acervo culinário de Marieta - cocadas de todas as cores e texturas, paçoca em barra e como farinha, o doce de leite em pasta, os doces de fruta em calda embalados em belos vasilhames de vidro, as bolachinhas de leite, a famosa bala de ovo. Como jovens jornalistas ocidentais, ávidos pela diversidade e multiplicidade de expressões culturais do mundo, pedem ao filho de Marieta, que se sentiriam honrados em conhecer a “fada” de São Cristóvão, autora de, segundo eles, uma das sete maravilhas da humanidade no quesito gastronômico.
Apesar da falta de destreza com a língua portuguesa, o casal, que despertava confiança e esbanjava entusiasmo, leva o filho de Marieta autorizar a entrada dos dois no templo sagrado de sua mãe, a cozinha. Ao adentrarem no ambiente, simples e suave, sentem como um golpe de vento a sabedoria secular de mais de 60 anos contínuos, que transpira nas paredes, nas panelas, nas formas e no forno, sempre em atividade, sem trégua e sem distração um único dia sequer.
Com seu radar sensível, ao apresentar-se como “Marieta, a seu dispor”, estabelece uma rápida empatia com os jovens e, ao ser interpelada pelos dois como havia se tornado uma espécie de celebridade local, citada internacionalmente, Marieta dispara a falar, quase sem intervalo entre uma respiração e outra, de onde havia saído, como foi à travessia de seu “oceano” e como havia conseguido chegar em terreno firme, possibilitando, assim, que seus filhos crescessem, estudassem e prosperassem. Embevecidos pela sabedoria sertaneja daquela mulher doce e, ao mesmo tempo, austera, que esboçava um sorriso tímido a la Monalisa quando falava de sua capacidade de superação, os dois jovens colocaram-se à sua escuta, de forma integral, entregues a um enredo que parecia ficcional, de tão espetacular.
Marieta ao falar sobre a sua história olhava e apontava insistentemente para o morro, que Greg e Stancey podiam avistar, sem nenhum esforço, da janela da cozinha. Era ali, há poucos metros de distância, onde Marieta nasceu, viveu a infância/adolescência e início de juventude, ao lado dos avós, ex-escravos, pais e irmãos menores. Apesar da proximidade física e da beleza de seu traçado, o morro, segundo Marieta, era o cárcere de sua família, local de onde eles todos jamais pensariam um dia ser capazes de deixar e transpor. O paradoxo do universo doce criado pela avó, pela mãe e por Marieta era contraposto à aridez de suas lembranças e à dureza de suas experiências reconstituídas através de fiapos, restos e quase nada que tivesse algum sentido e valor. Como um refrão reincidente que atropelava o seu desejo de clarear e pacificar o relato, Marieta cantava com uma vozaguda de dor não cicatrizada: “Como é que podíamos participar das festas da cidade, como é que podíamos estudar, como é que podíamos celebrar o Natal, como é que podíamos fazer compras na mercearia da cidade, como é que podíamos tomar um sorvete na Praça da Matriz? Todo momento éramos lembrados, de forma impiedosa, da nossa miséria e da nossa inexistência”
Imagens da escravidão, da alforria, do desterro, da miséria, da resistência, das estratégias de sobrevivência aparecem em efeito cascata enquanto Marieta rememora e Greg e Stancey acompanham sua trajetória.
Como em um enredo épico, Marieta muda a chave de seu discurso, pontuado até aquele momento por todas as faltas e carências – as pedrinhas e folhas que serviam de entretenimento entre as crianças, os restos de revista encontrados ao léu pela cidade e que serviram como recurso didático para ensinar seus irmãos a lerem, um único picolé partido em sete na noite de Natal, o trabalho sem intermitência quebrando e ralando o côco, etc,etc. A partir daí, lembra o momento da virada, o momento que, segundo ela, com muito esforço e obstinação, com e através dos doces, sua família atravessa o oceano a braçadas. A imagem desta descida, que representa, na verdade uma elevação, aparece em sua narrativa como uma redenção, um triunfo da força e da vontade. Mas a beleza doída do relato, que enreda os dois ouvintes imberbes, é que o morro permanece como sombra, como fantasmagoria, como obstáculo à singela experiência da alegria, que passa à margem de Marieta e seu oceano.
“Eramos muito pobres, éramos muito pobres, éramos muito pobres”, este refrão pontuava a narrativa sobre sua vida
Escuridão
“Pobre, desprovido, miserável, infeliz, ignorante, estúpido, burro, subdesenvolvido, desqualificado, analfabeto, pobre coitado, lixo”.
Diariamente ele era golpeado, sem misericódia, pelas poucas palavras que realmente conhecia do dicionário. Eram estas qualidades que ecoavam, sem um minuto de trégua, ao longo daqueles seus muitos anos, que ele, na verdade, não sabia bem ao certo quantos eram, e que esquadrinhavam o apertado horizonte que era capaz de enxergar.
Se a pecha da ignorância era um fardo duro de arrastar, pior chaga do que esta, só mesmo a de vagabundo, desempregado. A única maneira de arrebentar a fronteira deste seu cercado de insucessos era com determinação de quem “atravessa o oceano a braço”, como ele ouvia as pessoas falarem. Era um homem que ouvia muito.
Tinha mais uma qualidade que nem ele próprio sabia, nem, por outro lado, ninguém nunca destacava: perseverança. Não desistia no primeiro nem no décimo nocaute que a sua vida miúda lhe dava, sem clemência. Na hora das entrevistas, com a segurança frouxa de quem sabe da fragilidade da sua casca, ele dizia:
- Sim, me formei até a 4 série, minha mãe não estudou não...Fez muito sacrifício e graças a ela eu e meus irmão fomo até o final, graças a deus. Na hora de assinar o nome, este sim o momento de maior desamparo, o certificado definitivo da escuridão de seu trajeto, contorcia-se da cabeça aos pés e com o auxílio de uma força que acreditava ser divina conseguia produzir alguns garranchos onde o a,e, i, ou e u podiam ser minimamente reconhecíveis.
Em uma das manhãs indiferentes como todas as outras, foi acordado por uma voz que gritava com ferocidade em seus ouvidos: “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer” . Estranhou a novidade do refrão, muito diferente daquela outra estrofe que aparecia nunca lhe desertar “pobre, desprovido, infeliz, ignorante, estúpido, burro, subdesenvolvido, desqualificado, analfabeto, pobre coitado, lixo” e teve a certeza de que este seria o dia da sua grande travessia oceânica. Confiante de que era o momento doacerto de contas com o seu passado de pobreza e dor, permitiu distrair-se da severidade daquela única vida que conhecia e foi em busca deste seu grande mergulho, seguro de que o tal chamado celestial não havia soado em vão.
Depois de matutar sobre suas buscas vãs de emprego do último ano, que o submeteram ao torturante ritual das entrevistas e assinaturas, lembrou de um dinheiro que havia ficado no estrado do colchão e foi em direção a um dos escritórios, umlugar sombrio como todos os seus dias, onde uma semana antes havia preenchido uma ficha para entregador de filipetas. Desta vez, felizmente, ele não precisou repetir o script das dificuldades da mãe, nem a prática contorcionista para que fosse capaz de escrever o seu nome. Todo o seu diálogo com a atendente foi estabelecido oral e visualmente. Certo de que, enfim, ele conseguiria dar uma direção para a sua vida, olhou para aquele catálogo macabro de alternativas de como tornar suave uma morte desejada e falou com a leveza de quem se sente, finalmente, livre do seu fardo hediondo: “Com saco plástico e corda”. O mais simples possível. Pela primeira vez, assinou o seu nome sem se contorcer e saiu caminhando pelas ruas, com seu pacotinho em mãos, atento à vastidão e luminosidade do mundo.